Por Letycia Bond - Repórter da Agência Brasil/Foto:
Divulgação/MCTIC
Em
relatório divulgado na última semana de junho, a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) informou que 40% de um grupo de
mais de 200 países não têm como oferecer apoio a estudantes no ensino a
distância, durante a pandemia. Na descrição sobre o Brasil, foram feitas
observações quanto a escolas que aprovam estudantes que não assimilaram de fato
os conteúdos e a barreiras enfrentadas pela parcela negra, definidas como
“legado de oportunidades limitadas de educação”.
Em
abril, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Programa Mundial
de Alimentação (PMA) estimaram que cerca de 370 milhões de crianças poderiam
ficar sem merenda, como resultado do fechamento das escolas ao longo da crise
sanitária. Os números mostram como alunos socialmente vulneráveis acabam
enfrentando mais obstáculos no contexto atual. Agora, a exclusão escolar se
amplia com a falta de acesso à internet. Apesar de ser adotada pelas redes
públicas de ensino, como forma de garantir que os estudantes possam dar
continuidade aos estudos, a ferramenta não está ao alcance de todos, que
precisam utilizá-la para complementar materiais impressos, assistir a aulas
online, resolver exercícios ou manter contato com os professores.
Em
algumas unidades federativas, como o Distrito Federal, a volta às aulas já foi
anunciada.
O
governo estadual de São Paulo programou o retorno das aulas presenciais para 8
de setembro Na primeira etapa, a ocupação das salas de aula deve ser de, no
máximo, 35%. Até que todos os alunos possam voltar, a orientação é de que
acompanhem as aulas remotas, a partir da plataforma virtual Centro de Mídias
SP, e se cadastrem para ter acesso gratuito à internet, possível por meio de
aplicativo.
Percepção
dos estudantes
Para
a médica Talita Amaro, que coordena o cursinho pré-vestibular popular Mafalda,
vinculado à Associação Beneficente Meraki, o que as secretarias municipais e
estaduais de Educação estão oferecendo aos estudantes não pode ser classificado
como ensino a distância, porque ele pressupõe a existência de uma
"construção do conhecimento em fases". Em um levantamento do qual
participaram 192 alunos matriculados, a organização do cursinho apurou que 48%
têm aulas regulares (ensino médio ou técnico) e exercícios online, 16% apenas
algumas disciplinas ou exercícios online e 3% não têm nem aulas, nem exercícios
disponibilizados pela escola. Outro dado importante é que 67% declararam que
não têm aprendido tanto em ambiente virtual quanto presencialmente.
As
maiores dificuldades citadas foram concentração e disciplina (74%), privacidade
(51%), cumprir a carga horária (44%) e cansaço com a rotina de aulas pela
internet (43%). A dependência dos recursos tecnológicos e o distanciamento dos
educadores foram fatores indicados como negativos pela maioria dos
entrevistados - 75% e 96%, respectivamente.
"O
ensino a distância tem estrutura pedagógica específica. Você não chega
simplesmente, dá uma aula para o aluno e acha que aquilo substitui qualquer
outra atividade. É um ensino progressivo. Toda vez que você se matricula em um
curso online, ele tem uma estrutura preconcebida, que foi pensada no seu
desenvolvimento. Então, você inicia com texto-base, faz algumas atividades
avaliativas, assiste a aula, mas tem, constantemente, um feedback",
afirma.
Kayume
da Silva, de 26 anos, concluiu o ensino médio em 2013, com supletivo. Sua avó
materna não teve a oportunidade de estudar e sua mãe completou apenas a 4ª
série do ensino fundamental. Atualmente, a jovem, que é mãe de três filhos, diz
que é difícil conciliar cuidados domésticos com a maternidade e uma rotina de
estudos.
Seu
plano é ter o diploma de um curso técnico em gestão pública que, para ela, pode
ser um atalho para ingressar no mercado de trabalho. Atualmente, ela é uma das
alunas matriculadas no cursinho pré-vestibular da Rede Emancipa, movimento
social de educação popular com unidades em todo o Brasil.
"Gosto
de estudar na parte da tarde, mas ontem, por exemplo, vi que tinha de lavar
roupa, fazer almoço. Quando vi, estudei muito pouco. Tenho uma filha de 4 anos
e isso me atrapalha muito. Não consigo estudar três, quatro, cinco horas,
focar", conta Kayume.
Para
a universitária Heloisa Ramos, que cursa química industrial e dá aulas no
cursinho da Rede Emancipa desde 2018, é bastante perceptível a quantidade de
desistência de alunos. As turmas, segundo ela, reuniam cerca de 400 pessoas
matriculadas, número que já chegou a cair para 15 com a pandemia. Durante os
intervalos das aulas, que duravam 50 minutos e eram dadas quinzenalmente, aos
sábados, ela tirava dúvidas das turmas. Hoje, as aulas ocorrem uma vez por
semana. Na sexta-feira, Heloisa abre um espaço para que os alunos tirem dúvidas
sobre a matéria dada.
"Se
antes da pandemia já existia evasão, com ela é uma coisa absurda. A gente
perguntou a eles: o que está acontecendo? É por causa da plataforma? É a forma?
É por falta de acesso à internet? As respostas foram variadas. Muitos trabalham
no horário das aulas, outros têm um pacote de dados que não permite que possam
participar de tantas lives [transmissões ao vivo], além de dificuldades
financeiras, porque muita gente perdeu o emprego e não tinha como pagar pela
internet, tinha familiares doentes. Não há somente a questão financeira, mas
também a psicológica e, para os alunos periféricos, isso se agrava muito
mais", acrescenta.
"No
cursinho tem muito aluno do ensino médio, mas também gente que já saiu da
escola há muitos anos ou que veio da EJA, Educação de Jovens e Adultos. São
alunos que têm muitas dificuldades. Então, às vezes, a gente está falando de um
assunto que o aluno nunca viu na vida, ele fica desesperado, acaba desanimando
e desiste", afirma.
Distribuição
de materiais
Minas
Gerais foi um dos pontos do país onde a exclusão escolar pela falta de internet
ficou mais patente. Nas redes sociais, uma professora de escola pública do
estado comentou que as apostilas do Plano de Estudo Tutorado (PET), feitas no
âmbito do Regime de Estudo Não Presencial, parecem ter sido preparadas às
pressas e sem esmero. Em uma das postagens, que teve milhares de visualizações,
a docente questiona, entre outros aspectos, como os alunos terão condições de
fazer os exercícios, se muitos deles dependem de links que direcionam a páginas
da web.
A
Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais garantiu que distribuiria uma
versão impressa das apostilas aos alunos que não tivessem conexão de internet
em casa. A pasta lembrou que as apostilas são utilizadas como "guia para
nortear as atividades", e não como são livros didáticos". A
professora, por sua vez, criticou a qualidade do material e ressaltou que
somente se sentiu segura de dar as aulas com algo produzido por ela mesma.
Procurada
pela reportagem, a secretaria ressaltou que também está transmitindo teleaulas
no programa “Se Liga na Educação”, que vai ao ar pela Rede Minas e pela TV
Assembleia, e que disponibilizou o aplicativo Conexão Escola, que inclui um
chat para interação aluno-professor. "Mais de 97% dos estudantes da rede
estadual de ensino tiveram acesso, seja virtualmente ou de forma impressa, aos
planos de Estudos Tutorados. O aplicativo Conexão Escola já contabiliza mais de
1,2 milhão de downloads na loja virtual. Já o programa Se Liga na Educação
chega a cerca de 1,4 milhão de alunos por TV aberta. A média diária de
visualizações no Youtube da Rede Minas, que também transmite o conteúdo do
programa, chega a 700 mil visualizações por dia", informou a secretaria em
nota.
O
Ministério da Educação lançou uma página para divulgar informes sobre as
medidas tomadas durante a pandemia.
Fonte: TUDO RO
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